sábado, 2 de julho de 2011

A sleepless night

Ela aproximou-se tranquilamente da sua cadeira e, com um gesto de leveza feminina, balançou o seu vestido de gala e sentou-se delicadamente sobre a almofada cuidada. Respirou fundo e fechou os seus olhos castanhos, globos raros de expressão sublime e ligeira no meio daquela sociedade de opacidade oca e sem fios de nílon para desvendar. Por momentos sentiu-se aparte daquele ambiente de profunda festa, rodeada por um ar cabisbaixo de soturna contemplação por aquelas vidas soltas que caminhavam num passo flutuante por aquela sala oval e de tamanho contemplativo, tentando-se abstrair de um qualquer sentimento de repulsa interior por não estar a sentir a sensação normal de quem nasce e frequenta aquela amálgama de tradições ancestrais de anos, antes de décadas. Abriu os olhos e apenas conseguiu ver aquele chão irrepreensivelmente tratado, limpo de qualquer espécie de intémperie de sujidade que arrepiasse a mais conservadora das old ladies que passeavam os seus costumes bacocos, de uma hipocrisia escondida por detrás do seu fino sorriso sarcasticamente caustíco. Sentiu a sua mão a tremer, oprimida pelos seus próprios sentimentos contraditórios, e subiu-a lentamente pelo ar, até repousar na longa e interminável mesa de jantar. Atrás de si a música continuava o seu compasso festivo, indiferente às almas penadas que se arrastavam naquele espaço imenso, acompanhando aqueles espíritos mais tranquilos que usavam e abusavam dessa noite para se abstraírem dos problemas complexos que a vida mundana lhes sempre trazia, relembrando-lhes que a riqueza mais não é do que uma carteira cheia de futilidades. Agarrou no seu copo, estranhamente intocável, estranhamente solitário, qual par perfeito para o seu coração isolado da barafunda labiríntica da sua mente. Levou o líquido fresco e poderoso aos seus lábios e sentiu o alcoól a percorrer-lhe o interior do seu corpo.

"Oh, o que tu foste fazer?!", a sua mente não parava quieta rabuscando todo e qualquer flash de todo e qualquer instante inconcebível tomado por diante, depois de um momento inusitado de insensatez. "O que foste tu fazer, tão incauta e tão frágil da tua certeza?! Não vês que o perigo está à beira de uma palavra, de um olhar mais cúmplice, de um dedo involuntariamente tocado?! Oh santo destino, que mulher mais frágil tu foste escolher para atormentar nesta noite de lua cheia e de frescura interminável!". Todo e qualquer pensamento lhe floreava na mente, todo e qualquer lamento percorria a sua bela e original face como uma gota de suor invisível que sulcava o seu rosto, torturando-o e desfigurando-o à medida que a culpa estendia os seus tentáculos opressivos. Deixou a cabeça inclinar-se para o seu decote sensato mas ousado e fechou de novo os olhos, sentindo a respiração pesada, de tão pesada que parecia estar a ser esmagada por um sentimento de clausura infinita de um sofrimento atroz completamente descabido. Levantou a cabeça num movimento reflexo e abriu os olhos, fitando o copo agora menos cheio, mas ainda cheio o suficiente para não ter tido qualquer efeito. Fitou-o placidamente como se estivesse a fitar um mero lago sem ondas, onde o tempo não mostrava sinais de envelhecer nem de estabelecer a fronteira do permitido, do desconhecido. Suspirou uma última vez e levou o copo uma última vez aos lábios, bebendo de uma só golo todo o líquido que restava. Levantou-se, compôs o vestido e voltou para a festa.

Eis uma incauta passageira do tempo, do destino intemporal que desfia e desnivela qualquer alma mais fraca, de um viajante mais intrépido que se abre por completo às agruras do desconhecido. Eis Ela, incauta, perdida no seu próprio labirinto interminável; eis Ela, simplesmente, Ela no seu pequeno mundo, aparte da vida mundana.

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